Sou mulher preta. Minha vida é resistência. Resistir ao racismo. Resistir ao machismo. Resistir a solidão. Resistir ao preterimento. Resistir ao apagamento. Mas quanto tempo ainda terei de resistir?
Passei minha vida, até o momento, sem entender o porquê era tão preterida. Afinal, eu nem sabia da existência dessa palavra. E agora que sei, somente a existência dela dói. Sua fonética se torna até horrível de escutar. Sua forma e significado são amargas.
Meu primeiro relacionamento, que durou exatos 6 anos e 11 meses, é algo que tento bloquear em minha mente. Eu não entendia que estava com um cara abusivo, até terminar e entender o contexto de tudo o que vivemos durante todos aqueles anos. E, quando vejo os "sintomas" sobre relacionamentos abusivos, hoje sei que estive em um. É tão surreal pensar nisso que acabamos realmente criando um bloqueio em nossa mente. E só agora eu entendo por que estive presa à ele por todo esse tempo.Em toda minha vida escolar, vi minhas amigas se relacionando com determinadas pessoas. E, mesmo que eu gostasse de alguém, eu, no fundo, sabia que não seria capaz de estar com tal pessoa. Eu não me julgava atraente o bastante. Até porque meus traços físicos, eu sabia que não seriam atrativos para ninguém.
Quem poderia ficar com uma pessoa que não tem um cabelo bonito e, por causa disso, esconde esse cabelo amarrando-o? E quem ficaria com uma garota a cima do peso, com coxas super grandes, que sentia até vergonha de sentar com elas "relaxadas" para não mostrar o quão grandes elas eram?!!
Possivelmente ninguém. E até determinado tempo, me perguntei como meu ex poderia sequer estar atraído por mim.
Porém, quando cheguei em minha pré-adolescência, meu corpo desenvolveu e comecei a notar certos olhares e comentários que, na época, ainda não sabia que eram assédios. Me perguntava por que ninguém queria "ficar" comigo ou estar comigo. Apenas sabia que haviam pessoas que me achavam "bonita" mas nenhuma delas me pedia em namoro ou algo assim.
Então, quando comecei a gostar de meu primeiro namorado e enfim ficamos, sabia ali que não poderia desperdiçar a oportunidade de finalmente estar com alguém. De finalmente não ser aquela garota sozinha que vê todos namorarem. E eu tinha de ficar nesse relacionamento. Mesmo quando descobri que era ruim. Se eu terminasse, será que eu iria encontrar alguém que me quereria para estar junto?
E, essa sensação, era adicionada ao que meu ex mesmo me dizia: ninguém iria querer ficar nem por um mês comigo. Eu sei, ele estava errado. Não sou uma pessoa ruim para alguém não querer ficar. Isso era manipulação emocional que ele fazia comigo.
Mas, ao mesmo tempo, tive realmente receio de não ter alguém que eu pudesse estar junto. Que eu apenas merecia estar com ele, mesmo que fosse ruim para mim. Mesmo que eu estivesse me desgastando nesse relacionamento. Eu sabia que tinha alguém ao meu lado. Me fixei a esse pensamento e achei que merecia estar onde eu estava porque não tinha mais ninguém por mim.
Mesmo quando terminei esse relacionamento e comecei a me relacionar com outras pessoas comprovei que, ainda assim, ninguém me queria. Essa realidade me veio a tona justamente quando comecei a entender o que era o preterimento. O que é a solidão da mulher negra.
E comecei a entender como isso é uma verdade na minha vida. Como era e é real para mim. Encontrar pessoas para sair, se divertir e etc., é bem fácil, mas no final das contas, essas pessoas só queriam isso: diversão. E eu querendo encontrar algo verdadeiro finalmente, cai nessa de que, de novo, só merecia aquilo que eu tinha. E afinal, eu não tinha nada. Nunca tive nada.
Todo aquele que esteve em algum momento nessa "diversão" comigo, afastou-se e foi tentar algo mais sério e verdadeiro com outra pessoa. Enquanto a mim, ele poderia manter como divertimento.
Seria ruim pensar que isso aconteceu uma ou duas vezes, porém o trágico é saber que estive nessa "coluna de divertimento" por muitas e muitas vezes. E isso me desgastou. Acabou comigo todo dia. Me perguntei se minha vida se tornaria novamente assim, achando que não teria ninguém novamente. Então aprendi a estar sozinha. Aprendi a resistir.
Foi aí que finalmente conheci alguém que mudou tudo que pensei sobre o que poderia ser minha vida com outra pessoa. Alguém que conseguiu, por alguns instantes, fazer eu esquecer que fui e que sou preterida. Alguém que resgatou o melhor de mim.
E, o mais importante, me fez perceber que, se tenho de estar com alguém, que esse alguém realmente me faça bem e não faça eu me sentir como a pior pessoa do mundo ou como aquela que não merece ser amada. Alguém que fez eu me sentir amada.
Naquele momento não me senti preterida. Naquele momento senti que, finalmente, eu era realmente a opção de alguém.
Mas aqui aqui estamos novamente. E novamente estou sozinha. Novamente me senti preterida, largada, esquecida, deixada de lado. Novamente não sei se conseguirei, de novo, o que tive com essa pessoa que me fez tão bem nesses últimos meses.
Eu até quero acreditar que sentirei essas sensações novamente. Mas não sei. Demorei a encontrar o que tive nesses últimos meses e a sensação que tenho, na verdade, é que demorarei a encontrar algo assim de novo.
Voltei ao ponto inicial em que me sinto na "coluna do divertimento", onde ninguém me quer para estar ao lado realmente. Voltei a ter que resistir, porque estou sozinha de novo. O problema não é estar só, porque afinal sou minha melhor companhia. O problema é saber que ainda não sou escolha, não sou sentimento guardado. Sou divertimento. E isso dói. Machuca demais. Às vezes até me deixa sem forças.
Dói saber também que essa é uma realidade na minha vida e na vida de várias mulheres pretas, como eu. Estamos aqui resistindo todos os dias aos nossos preterimentos. Mas será que um dia, quem sabe, não precisaremos mais resistir e seremos finalmente felizes porque somos escolhas, somos sentimentos guardados?
Nossa eu com meus quase 20 anos nas costas sempre ouvi comentários baixos de homens também e sentia nojo de mim, ñ gostava nem de sair na rua com medo de receber comentários assim na minha adolescência, achava que o problema era eu e ñ eles. Acho que não faz nem 4 meses que entrei pro movimento e me vejo uma outra mulher totalmente diferente do que era, claro que 4 meses ainda não aprendi tudo isso é constante..Gostei do seu texto, escreve muito bem... http://entreenosdois.blogspot.com.br/
ResponderExcluirNossa, muito obrigada por seu comentário. fiquei muito feliz ao vê-lo. Fui visitar seu blog e o amei inteiramente. Vou começar a ler mais seus posts, pois vi que já tem bastante coisa.
ExcluirMuito brigada pela visita mesmo! E fico muito feliz pq é assim mesmo, com o tempo vamos nos modificando e vendo que a culpa não é nossa, e sim, temos de lutar bastante.
De novo obrigada. <3