Mulher preta não é recorte de feminismo




Sobre a vitimização das mulheres brancas



Há um grande vício dentro do movimento feminista: o vício de acolher mulheres brancas e vitimizá-las. Você pode dizer - e eu irei concordar - que mulheres brancas também sofrem com a sociedade patriarcal. Dentro desse contexto, quanto mais longe da negativa a feminilidade você está, mais você será rechaçada. Isso vale pra qualquer mulher.

Sobre essa vitimização que ocorre, é justamente por conta do feminismo ser dominado por mulheres brancas. Elas podem não ser maioria mas são as que dominam. Suas pautas são priorizadas, enquanto das mulheres pretas e indígenas são feitas de recorte. Que seria, nada mais, que uma "parte" do feminismo a ser vista.

Mas, agora vou escrever aqui a vocês alguns fatos:

Falando no contexto brasileiro, o número de feminicídios de mulheres pretas aumentou, enquanto de mulheres brancas diminuiu. "De acordo com o Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais, o número de mulheres negras mortas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), enquanto que o número de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período." (Trecho citado de reportagem do El País)

Outro ponto que também se pode considerar é que mulheres pretas são as que mais morrem em recorrência da gravidez. A mulher preta possui "mais chances de morrer por causas relacionadas à gravidez, parto ou pós-parto. A mortalidade materna de mulheres negras está 65% acima da de mulheres brancas". (Trecho citado de texto do Blogueiras Negras, com dados do Ministério da Saúde e IBGE)

Ainda sobre outro dado que podemos abordar é o fato da mulher preta ser maioria encarcerada, ou seja, maioria nas prisões. O Brasil, segundo o relatório de Levamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN MULHERES 2014), é o quinto país com maior população feminina prisional do mundo. E ainda, segundo esse relatório, "em relação à raça, cor ou etnia, destaca-se a proporção de mulheres negras presas (67%) – duas em cada três presas são negras." (Para acesso a mais dados desse relatório clique nesse link).

Coloquei esses dados para expor como mulheres pretas estão mais propensas a diversos tipos de violências, enquanto a mulher branca está em menor escala, apesar de também sofrer. E esses são apenas alguns exemplos.  

A pergunta agora é: diante dos dados citados acima, por que o feminismo não prioriza a mulher preta? Você pode citar aqui o feminismo negro e outros diversos tipos de feminismos que existem. Você pode citar que mulheres pretas constroem um feminismo legítimo. E eu não irei discordar. Mas por que, de forma geral, quando citamos o feminismo, quando a sociedade está em busca dele, o nosso primeiro contato é com o feminismo branco? A não ser que você possua diversas amigas feministas negras que irão te direcionar pro feminismo que te contempla, você irá bater de cara com o feminismo branco.

Se a violência da misoginia e do machismo nos afeta mais, ainda com o adicional do racismo e as especificidades de forma individual (como a lesbofobia, gordofobia e outros), por que não tratar o feminismo como prioridade a mulher preta, enquanto para mulher branca seria um recorte? Sim, um recorte porque são elas a minoria oprimida, não nós. Então entraria o recorte da mulher branca nos seus devidos segmentos: pobre, lésbica, gorda e etc. Nós enquanto maioria que sofre mais, estamos sendo utilizadas de recorte, uma parte apenas, quando deveria ser o contrário.

Explicando tudo isso eu volto para o início do texto em que coloco o vício do acolhimento a mulher branca e sua vitimização. Mulheres brancas, seja com comportamento racista ou não, são isentadas de sua forma de opressora. Simplesmente por serem mulheres. 

O feminismo as acolhe de forma que ninguém poderia apontar o racismo delas, porque são mulheres e como tais não merecem ser expostas, não merecem que critiquemos o padrão eurocêntrico na qual as tornam privilegiadas. 

A isentam culpando o patriarcado pelo fato delas obterem privilégios, mas não é por aí. Estamos falando de uma supremacia branca que as coloca como principais para a sociedade, as coloca como as imaculadas que precisam ser protegidas. 

Enquanto nós, as pretas, precisamos provar SEMPRE que temos de ter atenção dos demais. Temos que falar também sobre o racismo, além do machismo e nos desgastamos, nos cansamos todos os dias por termos que fazer isso. 

A política do acolhimento e vitimização a essas mulheres brancas faz com que nós, as pretas, tenhamos que fazer o papel de lacaias professoras dessas mulheres. Nosso papel seria ensiná-las a não praticar o racismo, enquanto nós temos que engolir as diversas formas de opressões que elas podem nos colocar. Brancas são vítimas. Pretas se fazem de vítima. Essa é a forma do vício. 

Elas já se acostumaram e não fazem nenhum esforço para desconstruir seu racismo. Se tem a nós, pra que mover aquele famoso dedo para pesquisar e se dar conta que mulheres pretas deveriam ser prioridade? Somos a regra, não a exceção. 

O desgaste emocional que elas nos causam é tão grande e comparável ao desgaste emocional que os homens com seu machismo e misoginia nos causam. Mais uma vez temos que provar o que sofremos. Temos que provar duas vezes. Para eles e para elas.

Essa preguiça intelectual que não visa buscar conhecimento sobre mulheres pretas. Essa acomodação do que se trata ser mulher branca, se vitimizando diante as pretas que precisam cada vez mais serem fortes para aguentarem todos as opressões possíveis. 

Cansamos!

Quando mulheres brancas vão parar de colocar suas pautas acima da mulher preta que sofre duas, três vezes mais? Quando mulheres brancas vão parar de nos tratar feito suas lacaias? Quando mulheres brancas vão parar de se colocar como vítimas "maiores" de uma sociedade que as aceita bem mais do que nos aceita?

Um dia, uma amiga preta disse: revolucionário é ser preta nessa sociedade. 

Fiquem com essa frase dela!

Comentários

  1. Uau, que texto! Direto e completo. Me representa! Valeu, Dani. Por isso Adeus, feminismo. Ser negra feminista é ser lacaia de luta.

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    Respostas
    1. Muito obrigada, Keli. Fui em busca de mostrar justamente pq deveríamos ser prioridade e não elas. Estou cansada da hipocrisia desenfreada de mulheres brancas e cansada de como até as próprias pretas ficam defendendo. Chega!

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    2. Arrasou no texto. Direto e com um mensagem de reflexão extraordinária. Venho refletindo sobre este assunto a algum tempo, tu conseguiu amarrar vários pontos em minhas ideias. Danielle Louise continue escrevendo sobre nós, isso nos fortalece. Grata!

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    3. Eu que agradeço imensamente sua disponibilidade de ter lido e reconhecido meu texto. Esses tipos de comentários me mostram que estou no caminho certo. Temos de realmente sempre apresentar nosso senso crítico sem medo do que as feministas brancas irão falar, porque é nossa voz. Estou feliz com seu comentário!

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