Correntes e amordaças

"Nunca subestime a capacidade de um homem de fazer você se sentir culpada pelos erros dele."

Eu estava programada  para escrever outra coisa, porém mudei de ideia no momento. E agora, por conta de alguns acontecimentos, me vieram outras ideias.

Vamos contextualizar. Desde que somos crianças, nós mulheres somos ensinadas a ter total admiração, amor e etc. por homens. Nos fazem crer que eles são seres superiores, raros, insubstituíveis a ponto de, se você não tiver algum deles ao seu lado, você será totalmente incompleta. E aí começa a socialização da submissão. E isso, meus caros, é a heterossexualidade compulsória sendo construída.

Crescemos com a ideia de que não, uma mulher sem um homem não tem sentido nenhum. É exatamente por isso que mulheres que são mães e solteiras são tão repudiadas - como criar uma criança sem ter um homem ao lado? Também é por causa dessa imposição que mulheres bem sucedidas, solteiras, que vivem suas vidas da maneira que querem, sempre serão vistas como incompletas. Se não tem um homem na vida, é claro que a vida delas não tem sentido algum.

Agora pense em uma mulher preta, mãe, solteira, bem-sucedida? As pedras serão jogadas em cima dela. Elas não têm o direito de serem felizes sem ter um homem ao lado delas. Não têm direito de serem inteligentes. De estarem bem com elas mesmas. Isso é impossível sem um homem. 

Isso é o que todos nos dizem. 

Quando se percebe essa heterossexualidade que foi imposta, percebe-se quanto tempo, realmente, passamos vivendo tentando ter aprovação de um homem. Seja ele um pai, um tio, um namorado, um marido. É necessário se ter certeza que, pra chegarmos onde estamos, o homem precisa aprovar isso primeiro. Mas aí que estamos enganadas.

A socialização masculina não falha. Como se costuma dizer por aí. Mas é isso, não falha mesmo!

Até aquele cara super de boas, que conviveu com você em um relacionamento que você julgou maravilhoso, pode fazer grandes merdas. Porque não admite em nenhum momento os erros que comete. 

Homens têm o privilégio de gênero e sabem exatamente como usar

Sabe  quando você teve a certeza que o relacionamento pode ter terminado, mas a culpa não foi sua em nenhum momento? Pois é. Eles são capazes de te transformar no algoz e se transformar na vítima. E você acaba engolindo que, na verdade, foi quem cometeu o erro. Sim, eles sabem manipular muito bem. Sabem como virar o jogo para o lado deles e te fazer se sentir culpada. E, mais uma vez, isso acontece porque você tem de ser a submissa e sair dessa como a errada e ele como o herói que te salvou por um breve momento, mas a culpa não foi dele por não ter continuado. A culpa é sua.

Percebe-se que aceitamos, engolimos, nos vemos como culpadas por cada acontecimento daquele cara envolvido conosco, porque fomos feitas para segurar o mundo em nossas costas. Fomos feitas para sermos culpabilizadas por cada erro que eles cometem. Nossa vida é de submissão.

Heterossexualidade compulsória é exatamente isso.

E quando se toca nesse assunto, quando se toca nessa ferida, tocamos no ego do que é o patriarcado. Ou seja, não se pode tocar nesse assunto. Não se pode nem ao menos pensar sobre. Não temos esse direito. Temos de aceitar o que exatamente nos foi imposto. Temos de aceitar caladas.

Mas eu não irei calar.

Desconstruir o que somos ensinadas desde quando viram que temos uma vagina, é bem difícil. Ainda mais para uma mulher preta que está submetida a solidão. Somos sozinhas, ficamos sozinhas e essa é uma realidade. 

A mulher preta não é escolhida. E é exatamente por isso que a heterossexualidade compulsória é uma arma muito perigosa. Porque afeta principalmente a nós, que não temos ninguém. Acaba-se tendo de aceitar aquele relacionamento destrutivo exatamente por medo da solidão. Do abandono. Porque sempre somos abandonadas. 

Mas o que quero deixar bem enfático é que, apesar de presas a essas condições sociais, temos de questionar, temos de tocar nessa ferida e perceber que tudo aqui foi imposição. Sem medo de dizer que estamos acorrentadas, estamos amordaçadas.

No entanto, essas correntes podem se partir. Você pode quebrá-las. Essas amordaças podem sair. Você pode tirá-las. Nada disso é culpa sua. E se estamos aqui, é para ajudarmos umas as outras. 

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