Elogie uma preta


Sobre sair do círculo da internet


Toda vez que vejo elogios nas fotos de mulheres negras em redes sociais, eu realmente me pergunto quem são aquelas mulheres por trás dessas fotos. Como é a vida dessas mulheres negras. Porque veja só: olhamos nesses sites fotos lindas e etc. Fotos empoderadas. Mas queria ir além dessas fotos e saber a história de cada uma delas.

Quando vejo tais elogios me pergunto sobre o dia-a-dia dessas mulheres. Por exemplo, quando cortei meu cabelo e assumi meu black, postei fotos no facebook e recebi vários elogios. Maioria das pessoas que comentaram em minhas fotos disseram como meu cabelo estava lindo. Mas o que não estava explícito na foto é que, depois do corte do meu cabelo, tive que me adaptar à ele. Tive que me adaptar e me reconhecer com meu cabelo natural e que esse cabelo é realmente lindo. Não, não foi uma tarefa fácil. E ainda não está sendo fácil.

Por trás de cada elogio na internet, existe uma mulher negra que é recriminada por suas características. Sim, somos empoderadas com nossas fotos postas nas redes sociais. Com os likes enchendo nossos egos. Os comentários nos enchendo de vaidade. Mas e fora desse círculo? Fora dele, eu já entendi perfeitamente que não é assim.

Sei exatamente como as pessoas me olham quando veem meu cabelo volumoso. As pessoas esperam cachos. Cachos são toleráveis. Mais volume? Volume jamais. Recebo muitos olhares de reprovação por conta de meu cabelo. E até mesmo de pessoas que não temeram em dizer que iriam "deixar seu cabelo pior do que o meu". 

Dentro do nosso círculo de internet, somos amadas, desejadas, somos as deusas. Todas e todos nos querem para namorar, para casar. E eles se perguntam por que você continua sozinha. Fora desse círculo, você sabe exatamente porque está sozinha.

Não estou aqui para condenar cada elogio que as pessoas nos fazem. Estou aqui para dizer que fora desse "mundinho" continuamos a ser aquelas rejeitadas por nossas características que são tão adoradas dentro desse universo.

Mulheres negras que já não são padrão, e, pior aquelas que, além disso, não possuem o "corpo padrão" são escrachadas a cada dia de sua vida fora desse círculo.

Deveríamos estender nossos elogios para fora de nossos círculos. Fora dele eu ainda continuo a ser a preta preterida. A preta solitária. Isso não mudou com esses elogios que recebi no facebook. Ainda estou aqui sendo deixada de lado a cada dia.

Você que está dentro desse mundinho elogiando as mulheres pretas, alguma vez já preteriu alguma fora da internet? Tenho certeza que já. Tenho certeza que muitos de vocês não andariam de mãos dadas na ruas com essas pretas. "Que? Me envergonhar com essa preta de black, todo volumoso? Ou mesmo essas tranças coloridas que parecem uma "a toa" qualquer? Ou aqueles dreads que parecem cabelos sujos e mal cuidados? E esse corpo parecendo uma "funkeira" que só sabe balançar a bunda? Como apresentar uma mulher desse tipo à minha família? O que minha família irá achar de mim?" Sim, vocês estão preocupados com que os outros irão achar se você sair com aquele tipo de mulher que você justamente elogia pela internet. Na internet esse elogio é fácil para você. Está longe de seu convívio e você jamais namoraria/casaria com alguém semelhante; apenas comentaria isso dentro desse mundinho cibernético. 

Você já parou para pensar do porquê aquela preta que tanto você comenta nas fotos, com aqueles elogios intermináveis, está sozinha ainda? Sim. Justamente porque muitos desses elogios não são reais. Estar nesse círculo acaba nos dando a ilusão de que somos beleza de algo. Somos a beleza que move o mundo.

Mas somos beleza. Porém nossa beleza não é padrão. E, infelizmente, aquele teu elogio feito apenas na internet, não ajudará a nos tornar um padrão.

A reflexão aqui se envolve na história de cada preta. Somos mais do que aquelas fotos lindas que recebem vários likes. Antes de tudo isso, eu estava tentando me empoderar. Cada foto é um símbolo de luta diária. E não significa que eu não precise mais lutar depois que a postei na rede.

Podemos construir os elogios voltados para fora desses círculos. Elogiemos as meninas pretas. Ensinemos a elas a construírem suas auto-estimas sem necessariamente precisarem estar em uma internet para se sentirem confortáveis, por pensar que dentro daquele círculo são aceitas. A realidade é cruel. Ela massacrará nossas crianças sem dó e nem piedade. Nossas meninas não conhecem esse "mundo de elogio". Nossa realidade é aqui fora. E aqui elas veem apenas o defeitos. Veem seus corpos sendo escrachados, hiperssexualizados. Seus cabelos chamados de ruins. Aqui fora devemos construir para entenderem que nossa luta pela auto-estima é todo dia. E que todo dia estamos seguindo em frente, tentando avançar mais um passo.

Talvez assim possamos compreender que nosso empoderamento precisa ser feito de fora dos nossos círculos. Vamos elogiar. Mas entendamos que somos mais que fotos bonitas. Temos uma história por trás. Uma história de luta diária. Luta árdua. E essa luta está apenas começando.

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